Finalmente a Big Finish entrou na brincadeira! E em dose dupla.
Pra quem não está acostumado com a Big Finish, essas duas aventuras do Master estão na coleção Short Trips, histórias narradas, mais parecidas com um áudio livro do que com um áudio drama. São histórias mais curtas – essas duas têm 40 minutos cada – e, por isso, é mais fácil de se concentrar. Eu sempre recomendo as Short Trips pra quem está começando a enveredar pelo maravilhoso mundo da Big Finish.
Bora pra review? Ah sim, antes que eu me esqueça: ambos os áudios foram narrados pelo rei da voz, John Culshaw e a arte da capa é do Anthony Lamb.
Master Thief (Sophie Iles)
O Mestre quer saquear um dos mais seguros cofres do universo, o Repositório. Ele tem um plano, e uma nova arma letal para ajudá-lo. Porém, como o Mestre logo descobre, entrar pode até ser fácil, mas sair pode custar tudo.
“A morte é inevitável. Mesmo quando você acha que tem todas as cartas, mesmo quando você tem certeza que vai vencer, você perde. Você pode nunca mais ganhar. Ações, é claro, têm consequências”. É assim que Sophie Iles (quem frequenta o WhoTwit conhece os desenhos dela) começa a história.
O Mestre (versão Roger Delgado) chega ao planeta oceânico onde fica o Repositório, uma pirâmide negra e brilhante onde os ricos e poderosos guardam desde documentos até os artefatos mais valiosos – pagando bem, qualquer um pode guardar o que quiser no Repositório. Localizado nas profundezas do oceano, em um planeta nas bordas do universo, é um cofre teoricamente impenetrável. Teoricamente.
O Mestre tem um plano. Simples, mas efetivo. As preparações já foram feitas: ele tem o código do cofre, e marcou um horário se passando por um cliente do cofre. Ele é o rei dos disfarces, só mais um dia qualquer na vida de golpes e genocídio dele.
Ele é atendido por uma funcionária chamada Jeorgina (curiosidade: a personagem tem esse nome em homenagem à filha da Katy Manning), que o leva pelos corredores bem seguros até o andar onde está o objeto de interesse do Mestre. E como todo banco, seus objetos pessoais têm que ir para a bandeja, para ser escaneado. O Mestre diz que só trouxe com ele o que vai ser “depositado” e que não há necessidade de passar pelo aparelho.
A funcionária e o pessoal da segurança caem na lábia do Mestre – já que ele se passa pelo preposto de alguém muito, muito importante – e o deixam passar. Mas à medida que eles vão descendo, o Mestre vai se sentindo claustrofóbico. Jeorgina diz que precisa chamar o gerente, já que os clientes não podem passar daquele ponto. O Mestre se arrepende de não ter hipnotizado a moça, dá uma enrolada nela, e diz que vai mostrar a ela o que ele trouxe para ser depositado…
Toca a música de transição e o narrador começa a falar que não faz muito tempo que o Mestre esteve em um planeta-floresta cuja vida indígena fora massacrada – segundo ele, para benefício do planeta – e ele se apropriou da arma que causou aquilo e a modificou para ser algo mais portátil: apontar e atirar, matando uma pessoa por vez.
Ele pede o cartão de passe de Jeorgina e atira nela, derretendo a moça – mas, de algum modo, ela ainda permanecia viva (do mesmo modo que as pessoas do planeta-floresta); ela foi involuída. Mas ao virar as costas e seguir seu caminho o Mestre diz que aquele foi um “efeito terrível” e a voz dele sai triste.
Mais à frente, dois guardas são as próximas vítimas, e à medida que ele vai caminhando até seu alvo, ele vai transformando os guardas em poças. Na porta do cofre que ele procurava, dois seguranças estão namorando quando percebem a chegada do Mestre, que manda o vocês irão me obedecer. Mas como eles não se mexeram, ele atira e os dois morrem abraçados e as duas poças se fundem. “Foi quase tocante”, pensou o Mestre. Ele entra no cofre, e fica vasculhando o que tem em cada caixa, mas não leva nada além daquilo que estava procurando: um mapa para o Ossário de Knife (espero eu que o nome seja esse mesmo). O Mestre esconde o mapa dentro do casaco e sai pulando as poças de volta para a superfície.
Mas ele percebe que deveriam ter mais de uma dúzia de poças, e ele só contou oito. Ele fica observando as poças se movimentando devagar e pensando o que eles sentiram, ou se perceberam o que a vida deles se tornou. E enquanto pensava, uma das poças chega perto do Mestre, que se assusta e retoma seu caminho. Ele passa pela poça que um dia foi Jeorgina e pensa: “ela foi uma boa funcionária e só queria fazer o trabalho dela”.
A essa altura vocês já perceberam que tem alguma coisa muito, muito errada, porque o Mestre está começando a sentir remorso e a se importar com suas vítimas.
Ele mata mais alguns guardas pelo caminho, e cada morte parece uma faca atravessando a consciência dele. Alguns seguranças fogem, mas o Mestre não vai atrás deles para terminar o serviço. Se você está bolado lendo/ouvindo isso, imagina o Mestre…
Chegando ao saguão de entrada, os seguranças estão aguardando e um deles vem à frente, desprotegido e começa a conversar com o Mestre, que está suando e tremendo de nervoso, e não consegue atirar (O.o). O capitão, então, explica:
“Você sente por eles, não? Aqueles em quem você atirou essa noite. Você sente a dor e a perda deles (…). A culpa é sua; você os reverteu até os nossos ancestrais, e eles tinham certas habilidades. Nossos ancestrais não se alimentavam de comida física, mas sim de energia psíquica. Emoções, personalidades. (…) Eles simpatizavam com as presas. Gradualmente meus ancestrais mudaram e aprenderam a consumir comida física, mas você aparentemente voltou o relógio. (…) Eu também posso sentir; eles se alimentarão desse mundo todo se deixarmos. Por isso nós selamos a entrada. Não há como sair daqui, agora. (…) Nós não podemos correr riscos.”
O Mestre diz que vai sair de lá de qualquer jeito, nem que tenha que matar todo mundo. O capitão diz que ele não vai conseguir, que os mortos vão se alimentar dele até que ele se esqueça de tudo, até dele mesmo. E pela primeira vez em tempos, o Mestre sentiu medo.
Mas como vamos todos morrer mesmo, o Mestre fechou os olhos e saiu atirando – e os mortos se alimentando dos sentimentos dele, que se arrasta até a Tardis.
Uma vez dentro da Tardis, o Mestre melhora, mas ainda sente as criaturas se alimentando das consequências de suas ações. Ele, então, grava uma mensagem no console da Tardis, enquanto calcula quanto tempo lhe resta: “Preste atenção, não há muito tempo. Eu fiz algo que vai me custar muito caro. Eu fui arrogante, eu fui tolo. Você precisa ser melhor que eu. No curso dos eventos dessa noite – o roubo do mapa dos Ossários de Knife – eu descobri que o povo desse planeta se alimentava de personalidades em suas primeiras formas. Essa gravação é o meu jeito – o seu jeito – de prevenir maiores danos ao meu futuro. Logo, meu corpo – seu corpo – finalmente vai ceder à exaustão causada por esse ataque mental. Você não vai saber quem é quando acordar. A regeneração é necessária. (…)”
Depois de dar ordens à sua futura versão de terminar o que ele começou e ir até os Ossários, o Mestre cai no chão da Tardis e regenera. Quando ele acorda, com tudo doendo, sem saber onde está, ele vê a luzinha piscando e aperta play.
Fim desse áudio. Comentários lá no fim de tudo.
Lesser Evils (Simon Guerrier)
Os Kotturuh chegam ao planeta Alexis para distribuir a dádiva da morte a seus habitantes. A única pessoa em seu caminho é um Senhor do Tempo renegado que jurou proteger os locais. Um Senhor do Tempo chamado Mestre…
Os Kotturuh chegam ao planeta Alexis. Os primeiros minutos do áudio são, basicamente, a Kotturuh descendo da nave e julgando todo e qualquer ser vivo que ela encontra na frente.
Mas como esse começo é focado exclusivamente nela, ficamos sabendo um pouco mais dos Kotturuh. Por exemplo: os símbolos na frente das vestes deles são pictogramas em línguas diversas – dos planetas por onde eles já passaram – e significam coisas diferentes; mas eles não se importam com o significado – eles apenas se apropriam dos símbolos, como se fosse um espólio de guerra (tal qual os dentes que o Tim Shaw arranca das vítimas).
A Kotturuh vai andando pela floresta; passa a mão na grama – grama julgada; encontra bichinho – bichinho ganha 8 anos de vida; encosta na árvore – ganha um monte de tempo de existência. E por aí vai. Nesse pedaço, parabéns pra pessoa dos efeitos especiais, porque tem fica uma mosca zumbindo ao fundo que realmente é tão irritante quanto uma mosca de verdade.
Mas enquanto ela vai andando, criaturas mais evoluídas estão nas árvores, observando-a. Eles têm seis braços, e se comunicam por cliques e sinais com a cabeça. A Kotturuh vê que no futuro muito distante, quando o Império Galático alcançar o planeta Alexis, os pesquisadores os chamarão de mongelos, por conta dos barulhos que os mais velhos da espécie produzem com a boca.
Nessa hora, uma das criaturas dá um salto da árvore e cai no chão, na frente da Kotturuh e oferece e ela uma joia, mas não como suborno (como ela está acostumada com as espécies mais evoluídas); é apenas um presente de boas vindas.
Um homem vestido de veludo preto sai da floresta. Suas roupas estão velhas, mas meticulosamente reparadas. Ele se apresenta, e a Kotturuh se liga que ele está tirando uma da cara dela. Ela olha na mente do homem e descobre que ele está em Alexis há anos e que ele teve sua nave do tempo tirada após um julgamento de seu próprio povo. O homem corta a ligação psíquica – só pra mostrar que pode fazer isso. Ele diz que não é nenhuma ameaça.
A Kotturuh começa, então, a olhar para o musgo da floresta – que ela ainda não tinha julgado. Ela sente uma certa maldade no musgo e o julga a viver tanto quanto a árvore em que está apoiado. O homem observa e aplaude. “Sempre bom ver um profissional em ação”.
E a Kotturuh continua seu julgamento, agora com o Mestre (versão do Ainley) como plateia. Ele começa uma conversa mole e a criatura sente medo do olhar dele, como se ele conseguisse ver através do véu que cobre o seu rosto. Ela mesma toca o rosto do Mestre.
“Meu povo tem um acordo com a morte (…) Pode-se dizer que nós já fomos julgados. Você pode sentir, não pode? E está desapontada, minha querida senhora. Talvez eu deva oferecer uma compensação.”
A criatura continua passando os dedos pelo Mestre, que sente a dor e chega a deixar uma lágrima escorrer. Ele começa a falar dos mongelo, do quanto eles são indolentes, preguiçosos… “Apesar disso, eu pretendo protegê-los de você”. A Kotturuh ri na cara do Mestre – e se tem uma coisa que a gente aprendeu é que isso não se faz.
Finalmente ouvimos a voz da Kotturuh; é neutra, com aquele tom metálico de sintetizador. “Nós não somos desafiados. (…) Aqueles que nos conhecem e que sabem do que somos capazes, eles não se atrevem”. O Mestre diz que não a está desafiando; só está informando que os mongelo são mais do que aparentam; ele está no planeta há mais tempo e os têm observado, e que ele, Mestre, pode prestar uma grande ajuda. A Kotturuh dá uma chance; se tudo der errado, ela o mata.
O Mestre começa um discurso de defesa dos mongelo: eles respeitam a vida, são inteligentes e contemplativos; não há competição entre eles, mas sim harmonia. E aqui você consegue juntar os pontos com julgamentos passados: Birinji, Destran, Andalia, Alexis, são todos povos não guerreiros, e os Kotturuh passam a foice sem dó, como se uma vida sem “ação”, meramente contemplativa e filosófica, valesse menos. Os Kotturuh gostam de ser bajulados; eles gostam dos povos guerreiros indo a Mordeela negociar o preço de suas vidas; eles fazem acordos com vampiros para que vivam para sempre. Eles são é um bando de fdp.
E quanto mais o Mestre fala, mais a Kotturuh vai percebendo que os mongelos têm potencial – ou seja, ela está sendo dobrada pela bajulação do Mestre. “Eles se alimentam das sensações ao redor deles. Mas por que eles mereceriam atenção especial?”, diz a Kotturuh.
O Mestre pede para que ela pegue a joia que lhe foi dada. Ele remexe o chão, pega um montinho de alguma coisa e diz que o chão do planeta é coberto daquilo, e que povos mais evoluídos já teriam usando como combustível; mas os mongelo procuram pelo montinho ideal, e quando encontram, os seguram com força, como se fosse um tesouro.
A Kotturuh diz que as pedras caem do céu. O Mestre concorda, e explica que a pressão que cada mongelo aplica ao segurar as pedras é que as transforma em joias, por séculos e séculos. E quanto mais tempo ela é segura, mais ela se transforma e tem propriedades próprias. Não existem duas joias iguais.
A Kotturuh pergunta se as joias são valiosas. O Mestre responde que não; que eles as trocam e as oferecem, como sinal de confiança e ligações sociais. “Eles reconhecem quem você é, e o que faz aqui, e ainda assim, sua resposta foi se aproximar em um gesto de boas vindas. Você pode ignorar ou repelir esse gesto, mas isso diz mais sobre você do que sobre eles.”
O Mestre continua; diz que eles são altruístas, e têm tantas qualidades, que ele mudou e escolheu defendê-los. Ela não cai nessa conversa e vai pra cima do Mestre, que aceita ser subjugado. De repente, as árvores começam a se agitar e um dos mongelo desce; ele se espreguiça e boceja, sem dar atenção ao que está acontecendo ali. Esse mongelo é mais velho; ele se aproxima com uma joia clara e entrega ao Mestre. A Kotturuh diz que é um bom pagamento; ele fala que não é pagamento, mas sim um sinal de confiança e gratidão dos mongelo para com ele.
O mongelo que entregou a joia começa a ficar bravo, e a joia que antes era clara começa a brilhar em azul. A Kotturuh pega a joia e diz que ela é sensível à verdade. “Eu disse a verdade”, responde o Mestre. E cada vez que o Mestre abre a boca, a pedra brilha mais forte.
“A pedra cria uma ligação psíquica, mas você já sabia disso”, diz a Kotturuh. O Mestre responde que não, mas a Kotturuh diz que pode aumentar a potência.
Três milênios no futuro, uma frota de naves androvianas aponta seu arsenal para um canto específico do universo, onde um homem usando veludo está sentado em um trono, brincando com a joia em suas mãos – como se fosse uma visão. Estamos de volta em Alexis. O Mestre derruba a pedra; o mongelo ancião cospe na pedra, que se torna preta, como os outros montinhos de qualquer coisa que ele havia tirado do chão antes.
“Há quanto tempo você sabe o que as pedras podem fazer?”, perguntou a Kotturuh. O Mestre diz que não sabia; o mongelo range os dentes para ele, que muda de opinião e diz que desconfiava. Que ele havia testado, e que algumas delas juntas, se seguras por muito tempo, poderiam mudar o curso de uma guerra interplanetária. “Eu poderia usar esse poder para prevenir conflitos, trazer paz” (Lumiat, é você?)
O mongelo ancião se aproxima da Kotturuh e estende a mão vazia, como se estivesse dando a si mesmo a ela. O Mestre diz que ele não pode ser tão altruísta, que ele está condenando a todos. Ela pergunta se todos entendem o que é aquilo e passa seu julgamento. Como a expectativa de vida deles é curta, eles passam a ser mais ativos, e descem das árvores, abandonando as joias. Isso faz com que o futuro dos mongelos mude. Mas ainda assim, a Kotturuh podia sentir tudo o que os mongelo sentiam, e sabia que eles estavam satisfeitos com o que haviam feito. Enquanto deixava o Mestre apavorado.
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Eu gostei mais da primeira história. Têm mais ação, e aquele cliffhanger fenomenal do Mestre regenerando – ou parecendo regenerar (só acredito se tiver luz dourada e ele se olhando no espelho falando “olha, eu mudei”).
Qual a importância dessa história para TLV, você me pergunta? A gente já percebeu que nomes não são colocados à toa nesse evento. O Arquivo de Islos, por exemplo, que apareceu pela primeira vez na newsletter, é o título de um dos episódios de DALEKS! e pelo jeito vai ter uma importância muito grande na história. Então, se o único nome citado nisso tudo foi o dos Ossários de Knife, é porque esse lugar tem alguma importância em histórias futuras. E me enche de esperanças do Mestre (qualquer um deles) aparecer de novo.
A segunda história é leeeeeeenta, os primeiros dez minutos são só a Kotturuh julgando os bichinhos da floresta, chegou uma hora que eu perdi a concentração e tive que voltar bem uns cinco minutos pra retomar. Mas serve para mostrar mais dos Kotturuh – mais até que no livro – e como as ações deles, mesmo com o papo de “vemos seu futuro, vocês não prestam pra nada, toma aqui dez anos e passem bem” trazem consequências.
Ainda assim são boas histórias, contidas nelas mesmas, mas que fazem parte de uma colcha maior, deixando bem claro o que o Goss falou desde o começo: você pode consumir uma coisinha só, ou pode pode consumir a coisa toda. De todo modo, você vai ter uma história com princípio, meio e fim, que vai te satisfazer.
E é isso que importa: seja só o conteúdo gratuito da newsletter e DALEKS!, seja deixando a BBC com caixa pra bancar os efeitos da s13, cada história em TLV é única e agrega MUITO ao lore do Doctor Who.
Se você está sendo testemunha ocular da história, hoje é dia 8 de outubro e a próxima parte de TLV é dia 14, com He Kills Me, He Kills Me Not, o primeiro áudio do Oitavo – mas não necessariamente a primeira aparição do Oitavo. Então, até lá!