“Alô? Tem alguém aí? Se você está ouvindo isso é porque eu morri. Mas tudo bem, eu já morri antes, e existem jeitos piores de se passar o dia. O importante é que eu estou voltando. Eu sempre volto.
Eu estarei lá quando você mais precisar de mim. Quando você estiver perdido e sozinho, quando estiver angustiado. Quando o dia estiver aflitivo e a noite não tiver fim. Eu serei seu amigo quando não houver mais ninguém, e eu lutarei por você quando não houver mais esperanças. Eu segurarei sua mão até que as luzes se apaguem.
Eu salvarei sua vida e salvarei o dia. Porque eu sou o Doutor e é isso que eu faço.”
E é com esse discurso maravilhoso na voz de Chris Eccleston que a gente começa a resenha do segundo box das Aventuras do Nono Doutor – Me Chama Que Eu Vou (se você entendeu essa piada eu espero que você já tenha, pelo menos, tomado a primeira dose da vacina).
Lançado em 11 de agosto de 2021, esse segundo volume traz três histórias independentes — diferentemente do primeiro volume, que eram três partes da mesma aventura. E se você caiu aqui de paraquedas, não custa nada lembrar que todos os áudios do Nono nessa linha Adventures serão pré-Rose.
Então pegue seu Nokia caixãozinho, disque D de Doutor, reze pra não cair na caixa postal e vem comigo!
2.1 – Girl, Deconstructed (Lisa McMullin)
“Marnie desapareceu. Mas ela não fugiu, como seu pai acha – Marnie continua em casa. Mas não como ela era.
O Doutor se junta à detetive Jana Lee, do Departamento de Pessoas Desaparecidas, para desvendar o mistério da garota que está em pedaços.”
Dundee, Escócia, 2004. Na mesma noite, no período de uma hora, mais de 60 adolescentes desaparecem de suas casas. Na Tardis, enquanto tenta descobrir porque o fluxo migratório dos Serapheem mudou abruptamente, o Doutor atende um telefonema pedindo ajuda. É Marnie, uma das adolescentes desaparecidas.
Ao chegar na casa de Marnie, o Doutor encontra a detetive Jana Lee, que passa a ser sua companion de ocasião. Jana Lee se tornou detetive depois que, na infância, seu melhor amigo, Douglas, sumiu sem deixar rastros. Juntando dois mais dois, o Doutor percebe que os fatos do dia estão ligados ao desaparecimento de Douglas, que estão ligados ao fluxo migratório dos Serapheem, seres mais leves que o ar e que usam o planeta Terra como Graal durante sua migração pelo espaço. Basicamente, o que os Serapheem fazem é: durante sua passagem pelo planeta, ao captar os pensamentos dos adolescentes de “queria fugir/sumir de casa”, esses seres topam dar uma ajuda; mas como os humanos são pesados, os Serapheem “descontroem” a pessoa a nível atômico — só que, como ainda assim eles continuam pesados, são deixados para trás sem serem “remontados”, e passam a viver como “fantasmas”.
Boa parte do áudio é o Doutor tentando descobrir como “remontar” os adolescentes e a detetive Jana Lee se assustando com as aparições da Tardis — um dos momentos mais engraçados ocorre quando estão dois Doutores no quarto de Marnie ao mesmo tempo: o do presente, que ainda não saiu pra pegar a Tardis, e o do futuro, já com a Tardis. No fim, ele traz os adolescentes de volta.
É um bom episódio, com todo aquele clima farofa de 2005. E com uma saída melhor, no final, do que a lajota boqueteira de Love & Monsters. Explico: para poder se comunicar com os desaparecidos, o Doutor cria uma espécie de caixa de ressonância e testa o equipamento com Douglas — o amigo da detetive Jana Lee, que continuou vivendo na mesma casa. Mas era tarde demais pra ele ser “remontado” (afinal, 20 anos se passaram), e o Doutor não poderia voltar no tempo; então, o que ele faz? Deixa a caixa de ressonância na casa em que Douglas vive para que o rapaz e Jana Lee consigam conversar — e, de quebra, o Doutor compra a casa, para que ninguém se assuste com o “fantasma” que lá vive.
8/10
2.2. Fright Motif (Tim Foley)
“Na Paris do pós-guerra, o músico Artie Berger perdeu seu mojo, mas ganhou um predador – algo que se infiltra pelas rachaduras da dissonância para devorar os incautos.
Para a sorte de Artie, o Doutor está lá. Para azar de todos os demais, ele precisa de uma isca para a armadilha…”
Eu normalmente gosto dos roteiros do Tim Foley, mas dessa vez não rolou. E olha que é um episódio histórico, na Paris do pós-guerra, sobre um pianista de jazz. Mas parece que falta alguma coisa.
Artie, o pianista, tem ouvido absoluto; mas de uma hora para outra ele perde essa habilidade e começa a ser perseguido por criaturas sem nome que vivem na dissonância e já fizeram algumas vítimas no hotel em que Artie mora, que é gerido pelo esnobe Maurice. Na história também temos Zazzie, a namorada de Artie.
O melhor personagem disparado é Maurice. Ele e o Doutor tem os melhores embates verbais e é dele que vem a parte interessante do enredo. Só que tudo isso deveria vir do Artie — mas ele só sabe ficar reclamando que não consegue mais tocar. Nem o que seria a grande revelação dele também é bem sem graça.
Talvez a falta de jazz num episódio sobre um músico de jazz seja o problema.
5/10
2.3. Planet Of The End (Timothy X Attack)
“O Doutor chega a um planeta mausoléu para apreciar a vista e, também, um certo pedantismo: corrigir os arquivos do planeta. A IA residente tem outras ideias.
Nas profundezas de uma tumba, algo se mexe. Occasus é o último descanso de uma espécie perigosa demais para existir. E o Doutor é o seu caminho de volta.”
Não existe vácuo de poder, meu povo. Com Gallifrey e os Daleks fora do páreo para regular o Universo, a Incorporation achou o seu espaço para fazer dinheiro ao transformar em energia toda e qualquer forma de vida — e eles estão doidos para colocar as mãos na mais valiosa delas: o Doutor. Que, por sua vez, foi parar no planeta Occasius, uma espécie de mausoléu das espécies do Universo. Quem toma conta desse planeta deserto é uma Inteligência Artificial, que o Doutor logo apelida de Fred.
Logo de cara Fred confisca a sonic, a Tardis e avisa à central que o Doutor está lá. O Sacristão pede, então, para que Fred enrole o Doutor até que ele consiga chegar lá — dali 7 horas. Agora vocês imaginem: o Nono, rei do sarcasmo, conversando por horas com uma IA que criou consciência e é ligeiramente passivo-agressiva. Esse é o meu tipo de história.
Mas o que o Doutor foi fazer em Occasius? Bom, ele foi atrás de um pedido de socorro, vindo do túmulo mais antigo do lugar. Óbvio que era uma armação da Incorporation para colocar as mãos no Doutor, que é preso, tendo Fred como sua carcereira. Eu falei que a IA criou uma consciência própria? Pois é. Ela começa a duvidar da legitimidade da prisão do Doutor. E ela tem bastante tempo para pensar sobre o assunto, porque o Doutor fica preso lá por muitos e muitos e muitos anos…
Basicamente, o que a Incorporation quer é um ser que regenere para que eles possam voltar à vida. E pra quem reclama que Doctor Who anda muito político, esse áudio não é pra você. Porque o discurso do Doutor contra o capitalismo selvagem e o culto ao dinheiro é uma das coisas mais lindas que existe.
E Chris… o que falar dele, num monólogo nível Oitavo em Zagreus (mas não tão extenso, infelizmente)? Que homem maravilhoso, pqp! Ele passa da comédia pro sarcasmo, e dali pro drama, em um piscar de olhos sem perder o ritmo.
E uma salva de palmas pra Margaret Clunie, que faz a Fred. Um dupla à altura!
9,5/10
O próximo box do Nono sai em novembro e é nesse que teremos a história dos Cybermen no set de Metrópolis. Até lá, tem muita coisa da Big Finish pra colocar em dia.
Até a próxima resenha!